sábado, fevereiro 14, 2009

OS MAC-INTYER – CRÔNICAS DO COTIDIANO

Por Dermeval Simões
Publicada no Jornal “O Imparcial” de Araraquara em 30.06.85.


Coisas da vida, difíceis de serem explicadas. Eu, nacionalista por convicção, como só em ser todos os brasileiros, com mais de 200 anos, tendo netos com êsse patronímico!
Valeu, como dizem os moços! O fato é que inserto está, como sobrenome de dois netos meus êsse Mac-Intyer: Roberto Mac-Intyer Simões e agora, novinho em folha, o Thales Mac-Intyer Simões.
A resposta para êsse aparente estranho nome é, em verdade, muito interessante.
Eu sou Simões, pelo lado paterno. Meu avô materno era Pereira de Mendonça. Minha mulher é Vargas da Silva, pelo lado paterno. Aliás, não seria Vargas da Silva não fosse a facilidade encontrada antigamente, há mais de cinqüenta anos, para se alterar o nome da gente.
Meu sogro, muito conhecido nesta cidade, chamava-se Benedito Vargas da Silva, o “velho” Vargas, carinhosamente assim chamado.
Chamava-se não, chamou-se, por vontade própria, alterando o seu nome, por desgostá-lo e de lambuja aproveitou e alterou o próprio nome familiar. Descendente de brasileiros da Aparecida do Norte, onde nasceu em 1881, filho do não menos famoso e ate hoje lembrado Antonio Mariano De Oliveira e Silva, o Seu Vargas foi registrado como Benedito Adrião de Oliveira e Silva. Ao atingir a puberdade não agüentou mais as brincadeiras dos colegas que o tratavam por Agrião, verdura por demais conhecida por aquelas bandas, e um dia resolveu colocar um paradeiro às chacotas dos moleques e simplesmente trocou o nome e passou a chamar-se Benedito Vargas da Silva.
Mas, voltando aos Mac-Intyer, o meu filho Paulo Roberto foi descobrir êsse apelido, no registro de sua avó, aliás minha sogra, muito querida Carolina Mac-Intyer, mineira de bôa cepa, natural de Campanha, Minas Gerais.
Vejam como surgiu êsse americano na família da Dona Ana, mais conhecida como Beata, avó materna de minha esposa.
Willian Duncan Mac-Intyer, êsse o nome completo do americano, descendente de irlandezes, que aí pelo ano de 1870 aportou no Rio de Janeiro, para nunca mais voltar à sua terra.
Contava Da. Carolina que seu pai era um homem muito alegre, gostava de aprontar brincadeiras, caçador emérito, era palhaço de circo nas horas de lazer e a sua profissão era a de seleiro, sabendo inclusive embalsamar os animais caçados, como onças e macacos.
Com esse espírito e com apenas quatorze-quinze anos, brincava um dia com sua mãe, numa pequena cidade, que dizem chamar-se Carolina, no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, quando, não se sabe como, um bode grande deu uma violenta cabeçada nos fundilhos da velha, jogando-a dentro de uma tina de levar roupa, cheia de água e sabão. O moleque Willian, grande gozador, no lugar de socorrer sua assustada mãe, caiu na maior gargalhada de sua vida. E riu tanto, tanto, que exasperou a mãe, a qual tomada de ira, ameaçando-o com uma surra. Este quando percebeu a braveza da mãe, não teve duvidas, “perna pra que te quero”. Correu sem parar alguns minutos, até ter a certeza de haver escapado impune. Aí êle resolveu não mais voltar prá casa e continuou andando sem destino até chegar num porto marítimo, onde conseguiu embarcar num navio, como trabalhador. Desembarcou no Rio de Janeiro e, embevecido pela beleza da terra não retornou ao barco. Passado algum tempo, já dominando o idioma português, engaja-se num circo e quando chega à cidade de Campanha, no sul de Minas, desligou-se da lona e ali permaneceu para o resto de sua vida. Casou-se com a Beata, teve seis ou sete filhas e um só filho, falecido prematuramente.
Vejam vocês, como se operam as transformações nominais. De Oliveira e Silva para Vargas e onde havia somente Simões, agora surgiram os Mac-Intyer.
Que Deus os proteja e eles possam como o tataravô, serem dois grandes palhaços, a espargirem alegria, muita alegria e risos descontraídos e sinceros, neste mundo tão triste de hoje.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

PARATY = CACHAÇA

“Parati = 1. Cachaça feita em Parati (RJ) 2. cachaça” (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Dicionário)

Por volta de 1540 os portugueses instalaram no Brasil os primeiros engenhos para produção de açúcar e rapadura. Para se fazer rapadura, fervia-se o caldo da cana, separando a espuma que se formava - o cagaço - para dar aos animais. Encarregados da produção da raspadura e de levar o cagaço para os cochos dos animais, os escravos perceberam que após um ou dois dias parado, o cagaço fermentava, transformando-se em álcool. Não demorou muito para os senhores de engenho descobrirem esse álcool. Acostumados a produzir a bagaceira, uma aguardente feito da uva, os senhores de engenho resolveram destilar o cagaço para separar as impurezas. Surgia assim a cachaça.


No século XVIII, Paraty chegou a ter mais de duzentos engenhos e casas de moenda. Destes, menos de dez engenhos resistiram ao tempo. Alguns deles são de propriedade de famílias que fabricam pinga há mais de 200 anos. Os segredos de fabricação continuam guardados a sete chaves, mas o modo de fazer pode ser visto por qualquer um que visitar os alambiques, que ainda hoje funcionam com roda d'agua, barril de carvalho, pipas, dornas artesanais e tachos de cobre com fogão à lenha. O resultado desta combinação que reúne a terra boa para cana e o conhecimento de séculos de tradição só pode ser degustado com uma boa Paraty feita em Paraty, terra-mãe das boas pingas artesanais do Brasil.


A aguardente de cana foi o segundo produto de exportação do Brasil (o primeiro foi o açúcar, a base da economia colonial), e de acordo com alguns historiadores nasceu na capitania de São Vicente, no hoje estado de São Paulo. No século XVII, Paraty tinha nada menos que 160 alambiques em atividade. “A cachaça sempre foi a principal moeda de troca no comércio de escravos africanos, mas foi a partir da proibição do tráfico que o negócio realmente começou a dar um lucro gordo para os engenhos de Paraty”, relata o historiador paratiense Diuner Mello. “É claro que os comerciantes de escravos continuaram trabalhando do mesmíssimo jeito, só que os navios negreiros não podiam mais desembarcar a ‘mercadoria’ nos portos oficiais, como Rio de Janeiro e Santos, por exemplo. O jeito foi arrumar portos mais discretos, digamos assim, e foi aí que Paraty assumiu o papel de centro distribuidor de escravos para todo o país”, conta ele.


Com a demanda por negros explodindo na região, aumentou também a necessidade de produzir a tal moeda pra pagar os fornecedores. Em 1873, um relatório oficial da administração imperial relata que os engenhos do município produziram cerca de três milhões de litros de pinga. O destino do produto não está descrito nos documentos, mas não resta nenhuma dúvida de que a maior parte dele foi parar na África, como pagamento pelos escravos embarcados para o Brasil.

Bem antes disso, a região já era um dos principais pontos de partida das expedições que subiam a serra em busca de novas terras e, sobretudo, do ouro e das pedras preciosas das Minas Gerais. E por melhor que fosse o pagamento prometido aos aventureiros que se dispunham a enfrentar a mata, era de todo impossível começar a empreitada sem ter garantido um bom suprimento de cachaça. Sem ela, não havia quem pudesse resistir às enormes dificuldades da viagem, que incluíam o relevo absolutamente desfavorável, a floresta virgem, toda sorte de insetos e animais, o clima, os índios e ainda a fome, as doenças e a solidão.


Com tamanho mercado consumidor, aqui no Brasil e no outro lado do oceano, parecia que a prosperidade dos engenhos de pinga de Paraty jamais teria fim. Mas teve. Correndo o relógio da História, Diuner Mello lembra que, em 1870, o imperador mandou construir a estrada de ferro ligando a cidade do Rio de Janeiro a São Paulo. “A partir daí, todo o café produzido ao longo do Rio Paraíba passa a ser transportado pelo trem. Com isso o porto de Paraty vai perdendo importância e a região toda entra em decadência, incluindo a outrora próspera indústria da cachaça”, completa o historiador.

Dos mais de 100 alambiques de aguardente que funcionaram no município a partir de meados de 1700, a cidade conta hoje apenas com 6, todas de qualidade inigualável e consideradas por peritos em aguardente - como os membros da Academia Brasileira da Cachaça e da Confraria do Corpo Furado, ambas do Rio de Janeiro - como as melhores dentre as milhares de pingas alambicadas de hoje em dia.


Considerada inicialmente como a bebida das senzalas e das festas dos negros, a pinga expandiu-se de tal forma que em 1649, o imperador D. João IV, emitiu uma Carta Real tentando proibir sua produção pois estava fazendo concorrência com os vinhos portugueses.

O solo de Paraty é considerado ideal para a plantação de cana-de-açúcar e a geografia acidentada com numerosos rios facilitava a construção de rodas d’água, indispensável para a moagem em grande escala da cana-de-açúcar. Esses motivos transformaram Paraty no maior centro produtor da bebida durante o período colonial e imperial. Segundo os cálculos de Pizarro, no início dos do século XIX a vila produzia 845.000 litros de pinga por ano.


Para se fazer uma pinga artesanal de qualidade, os alambiques seguem algumas regras:

1- a cana é plantada sem agrotóxicos e, na hora do corte não se queima a plantação (costuma-se queimar as plantações de cana para facilitar o corte);

2- o fermento utilizado deve ser natural, a base de fubá e farelo de arroz. Esse fermento demora de dois a quatro dias para fermentar o caldo da cana, enquanto o fermento químico demora no máximo cinco horas. O tipo do fermento influencia no sabor e no aroma da bebida;

3- o caldo de cana fermentado deve ser destilado em alambique de cobre pois esse mineral acelera algumas reações que ocorrem no processo da destilação;

4- antes de ser engarrafada, a pinga deve ser armazenada por no mínimo três meses em barris de madeira para que ocorram reações de oxidação que suavizarão o gosto. O tipo da madeira utilizada para fabricação dos barris influenciará no aroma, cor e sabor da bebida. Importante ressaltar que as bebidas destiladas só envelhecem em barris de madeira e não em garrafas de vidro;

5- ao engarrafar, além da rolha, deve ser colocado um lacre para vedar a boca da garrafa, impedindo assim que o álcool evapore.