segunda-feira, dezembro 31, 2007

O BROWNIE


Era natal. Jantar em família, para manter a tradição da festividade. Poucos, mas bons parentes à mesa, saboreando comidas “engordativas” e bebericando com moderação. A felicidade pairava no ar, trazendo momentos de paz e harmonia, como se o espírito das mensagens dos cartões de natal tomassem vida em todos os lares. Há quem não goste do natal. Quem ache que é puro capitalismo. Quem ache que tudo é uma farsa. Quem ache que perdeu o real sentido. Mas o certo é que o espírito natalino adentrou nos corações de todos aquela mesa. Felicidade, amor, saúde, prosperidade, paz. E sem frescura, porém com muita, mas muita serenidade, com todos muito à vontade, o tempo foi passando. E a conversa e risadas foram se estendendo, como não poderia deixar de ser. Lá pelas tantas, minha mãe, uma cozinheira de mão cheia, começou a conversas com minha tia avó, a boleira da família, sobre as receitas que tinha feito naquela ocasião. Convenhamos, era um papo de surdo e mudo. Desculpem a gozação, mas era exatamente isto. Minha tia avó é um pouco surda e seu aparelho de audição estava com um pequeno defeito. Um “prato cheio” para quem gosta de tirar sarro. Eis que minha mãe comenta que aprendeu a fazer brownies, aqueles bolinhos de chocolate comumente deliciados nos EUA. Bom, na verdade, Brownie é um duende de pele amarronzada, típico do folclore inglês, que faz serviços domésticos em troca de comida, mas esta é uma outra historia. Voltando, eis minha tia avó vira e diz: “Bráulio? O que é bráulio mesmo? Acho que eu nunca comi bráulio!”. Alguns coraram o rosto. Mas a maioria não agüentou e soltou uma longa e alta risada. Não tinha como segurar. O menino Jesus que me perdoe, mas foi hilário! Sem entender, ela continuava a perguntar o que era o tal do “bráulio”. E minha mãe, numa tentativa frustrada de explicar, não se conteve e caiu na risada. “O que é bráulio mesmo?”. Todos riam muito. Eu só ouvia meu pai dizendo “Pára tia, o que é isso! Você não se lembra?”. Que diversão! Gozação à parte, este é o verdadeiro espírito de natal. Família e risada. A perfeita combinação!

Roberto Mac Intyer Simões
31/12/2007

domingo, dezembro 30, 2007

VIVENDO DO PASSADO



Ao final, sentiram pena do coitado. A “sentença” foi cruel demais para o pobre rapaz. Apesar do ódio, e da brutalidade de seus atos, percebia-se o arrependimento em seu coração e a insônia que o consumia dia após dia. Afinal, o crime foi no fundo um ato de subsistência. Sim, a motivação era viver. Sem avareza, lascívia. Mas com dignidade. Porém o tiro saiu pela culatra. Ele queria esquecer, mas suas lembranças, vindas em forma de pesadelos, não o deixavam em paz. Ele não tinha mais vida. Tornou-se uma pessoa perturbada. Uma pessoa consumida pela sua própria mente insana. Peritos recomendaram tratamento psiquiátrico, pois a prisão não o livraria de si mesmo. Mas não deram ouvidos. E o julgamento se estendeu, por dias, meses e anos. Ninguém se importava com ele. Autoridades negligentes e hipócritas não chegavam a um veredicto. Vieram recursos e mais recursos, e o processo não se finalizava. O coitado não merecia isso. Seus parentes o abandonaram. E não foi por menos. Ele havia se tornado um mau caráter sem escrúpulos. Estava estampado na manchete do jornal! Abandonado em uma cela, mergulhado em seu passado, sem chance de recomeçar sua vida, ele foi provando pequenas doses do inferno na cadeia. O coitado merecia isso? Depois do crime que ele cometeu, lógico que merecia! Merecia até coisa pior, disse um sujeito na televisão. Mas poucos perceberam que a mais cruel e desgostosa sentença estava em sua própria mente já sem brilho, ofuscada em um passado sombrio. A motivação de viver se foi. Da mesma forma que se esvai da mente de todos que perdem o brilho, sejam estes criminosos ou não. O fundamental é não perder o brilho, independente de nossos tenebrosos passados. E viver cada dia como se fosse o último, mesmo que a masmorra não nos aguarde.

Roberto Mac Intyer Simões
30/12/2007