segunda-feira, junho 23, 2008

CIDADÃO SEM NOME

Ninguém notava a sua existência. Nem ele mesmo. Mas todos lhe conheciam. Constantemente estava pelas ruas a vagar, sem saber aonde ir. Conversava com muita gente e sempre cantarolava antigos sambinhas pela avenida. Na maioria das vezes, sob o efeito do rabo de galo. Filosofava seus monólogos intermináveis com o jornal embaixo do braço. Mas ninguém sabia que era analfabeto, mesmo parecendo que suas idéias viriam a mudar o mundo. O jornal na verdade era sua cama. As palavras o esquentavam na noite fria e deserta da cidade. Se soubesse ler, talvez aquele pedaço sujo de jornal lhe trouxesse conforto. Mas creio que não. Acende um cigarro. A única contribuição da sociedade em sua vida, além de uns trocados para o pão e o pingado. Traga até o fundo. O cigarro deixará seus dentes mais amarelados. E daí? Sente o calor da fumaça em seus pulmões debilitados pelo vicio das drogas. O único calor que lhe ofereceram. Vive de esmolas, catando latinhas, garrafas e papelão. Às vezes, come o que encontra no meio do lixo. Exibe roupas rasgadas, chinelo de dedo, o cabelo seboso e a barba crescida. E nos oferece um sorriso. O sorriso que várias vezes não tivemos para dar para nossas mulheres, patrões, o caixa do supermercado. Não tivemos porque às vezes estamos sem paciência. Porque nos preocupamos com o futuro. Ele não. Seu presente já é muito custoso para se pensar no dia de amanhã. Aliás, seus dias são muito monótonos. As mesmas ruas, avenidas. As mesmas pessoas. A preocupação é a subsistência. Muitos lhe estendem a mão. Mas é pouco o que oferecem. Moedas contaminadas de preconceito, nojo e aversão. Ninguém parece se importar. Mas ele não tem mãe para cuidar quando está bêbado e cheirando mal. Afinal, mendigo não tem mãe. Ninguém quer saber de suas aflições, desejos. Mendigo não tem pátria. Não tem nome. Não tem vida. Sofre, mas não faz diferença. Pois para quem vive à margem da pobreza, a morte é só uma conseqüência. Sem dor nem reza. Não tem parente para chorar no velório. Não tem nome para constar no atestado de óbito. Um problema a menos para nosso governo corrupto resolver.

Um comentário:

Renato Vargas Simoes disse...

Big Billy! Pois e... que facil, ne? O governo corrupto e sempre o culpado. Mas o povo corrupto nao. Sera que e isso mesmo? Sera que somente o governo e corrupto? Ou sera que e porque nao queremos saber das aflicoes dos mendigos? Ou sera que se o mendigo soubesse ler seria mais um corrupto? Eu penso se o problema fosse o governo era so ir la e trocar o governo. Mas e isso? trocar por quem? Quem nao e corrupto que atire a primeira pedra. Com certeza ela caira na cabeca de quem? Do mendigo, e claro! Nao e isso?